Os espaços litúrgicos dos primeiros Cristãos

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Fontes literárias dos primeiros quatro séculos

A basílica cristã antiga. Antologia seleta com um conjunto de textos-fontes traduzidos dos primeiros séculos.

Autor: Isidro Pereira Lamelas

Tamanho:148X210mm

N.º de páginas: 320

ISBN 978-989-8877-88-8

1ª edição: março de 2021

Coleção: Exsultet – 18

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Prefácio

Felicitamos e agradecemos muito vivamente ao Padre Isidro Pereira Lamelas, ofm, pela sua pesquisa excelente e tão necessária acerca dos espaços litúrgicos dos primeiros cristãos.

O lugar da celebração (igreja) é muito mais do que um edifício, é a casa para a assembleia do povo de Deus (domus ecclesiae = casa da Igreja). O sinal do templo exprime, de certo modo, os vários momentos e modos da presença de Deus no meio dos homens, desde o templo cósmico do Éden à terra prometida, da tenda do deserto ao templo de Jerusalém, da humanidade de Cristo às casas da Igreja e a cada um dos seus membros. A reforma litúrgica apresenta o significado da igreja-edifício como sinal visível do único templo que é o corpo pessoal de Cristo e o seu corpo místico, a Igreja, que celebra em determinados lugares o culto em espírito e verdade[1]. O próprio rito da dedicação da igreja e do altar desenvolve as temáticas da Igreja-templo e da Igreja-povo de Deus, superando qualquer forma de sacralização.

Para os primeiros cristãos, apesar de «assíduos no templo»[2], o encontro mais íntimo com o Senhor ressuscitado era enquanto «partiam o pão pelas casas»[3]. Assim, desde os inícios da comunidade cristã de Jerusalém, dá-se um certo distanciamento do templo, que leva à sua substituição por um novo templo, como Jesus tinha anunciado[4]. Na conversa com a Samaritana Jesus disse: «vem a hora em que nem sobre esta montanha [Garizim] nem em Jerusalém adorareis o Pai (...), mas (...) em espírito e verdad[5]. Portanto, o novo templo é o próprio Jesus, o Senhor ressuscitado. E, sendo Jesus Cristo cabeça do seu corpo místico do qual todos os batizados são membros, S. Paulo escreve aos cristãos de Corinto: «não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?»[6]. A imagem do templo construído de pedras vivas, que são os batizados, com a pedra angular Jesus Cristo[7], exprime a mesma verdade. Portanto, o corpo místico de Cristo que é a Igreja é o novo e verdadeiro templo, lugar de encontro com Deus, de reconciliação, de comunhão e adoração.

Antes de mais, a Liturgia realça a centralidade do altar, figura de Cristo, sacerdote, altar e cordeiro do próprio sacrifício[8] realizado de uma vez por todas. O altar, sinal do altar-mesa e do altar-lugar do sacrifício é o fulcro da celebração litúrgica e evidencia a sua profundidade cristológica.

Os Padres da Igreja não hesitaram em afirmar que Cristo foi vítima, sacerdote e altar do seu próprio sacrifício. Cristo é o altar, o cordeiro, o sacerdote[9] e o templo, reinterpretando as características cultuais essenciais do judaísmo. A novidade do sacerdócio de Jesus Cristo é a de ser o sacerdócio da Nova Aliança: Cristo é o único sacrifício, não como os antigos sacrifícios, mas Ele mesmo se oferece para a remissão dos nossos pecados. Cristo é sacerdote e pontífice universal e permanece tal enquanto realizou plenamente todos os sacrifícios de Noé, de Abraão, de Moisés e de outros até ao único sacrifício de Cristo. Efetivamente, Cristo no mistério da sua Páscoa cumpriu todos os sinais antigos.

A tradição litúrgica e patrística vê na celebração uma construção da assembleia dos fiéis um templo vivo. A igreja edifício é para a edificação da Igreja viva e espiritual.

Na Oração Eucarística III rezamos: «Vós Senhor... não cessais de reunir para Vós um povo que de um extremo ao outro da terra Vos ofereça uma oblação pura». A Igreja apresenta-se como um povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

O lugar do culto dos cristãos é a assembleia viva; e esta torna o espaço celebrativo sagrado. Esta consciência levava os cristãos, da Igreja primitiva, a inaugurarem os novos espaços litúrgicos simplesmente pela primeira celebração da Eucaristia, sem nenhum rito específico de bênção ou dedicação[10].

Nos dois primeiros séculos, não existiam propriamente lugares fixos para a ação litúrgica. Por exemplo, o Batismo era realizado onde houvesse água[11]. Para ouvir a Palavra de Deus e celebrar a ceia do Senhor serviam as salas amplas de algumas casas. Assim surgem as “domus ecclesiae” que são adaptadas às necessidades dos encontros dos cristãos. Nestas começa um processo de ritualização e sacralização que leva a reservar determinada sala, mesa ou cálice usados por um apóstolo ou outra testemunha da fé. As “domus ecclesiae” vão-se estruturando respondendo também às várias necessidades da comunidade: litúrgico-celebrativa, de acolhimento, caritativo, residência do responsável da comunidade. Os vários lugares são articulados entre si e o mais importante está reservado para a ceia do Senhor.

À medida que a Liturgia se vai estruturando, principalmente a partir do século III quando as comunidades crescem enormemente, são necessários espaços maiores: a aula da celebração ganha importância e surgem as basílicas. O termo “ecclesia” é então usado para indicar o lugar da reunião dos fiéis. Com Constantino, a imagem exterior do lugar do culto cristão começa a espelhar a grandeza da sua verdade interior. Passa-se assim do facto celebrativo ao lugar da celebração: o enriquecimento do lugar, e a sua decoração que se faz mistagogia, pretendem que ele seja digno do Rei divino que aí mora – a “domus Dei”, “a domus Regis” ou simplesmente basílica. A sua dedicação constitui uma festa do povo de Deus, uma manifestação esplêndida da igreja saída da perseguição.

As basílicas – sobretudo aquelas com plantas redondas ou octogonais que assim queriam trazer as formas perfeitas da eternidade à terra, e aquelas decoradas com mosaicos que mostram o Cristo Pantocrator e a corte celeste – quiseram reforçar a dimensão transcendental do espaço litúrgico.

No século IV os cristãos começaram a construir monumentos sobre o túmulo dos seus heróis da fé. As relíquias dos santos metiam-se sob o altar e o altar tornava-se o túmulo do mártir (“altar da confissão”)[12].

Deus para Se revelar e comunicar usa sinais sensíveis. Por isso, a liturgia é feita também de sinais sensíveis. A presença real e viva de Jesus na Liturgia[13] deve ser percebida e sentida, como que de maneira palpável. O próprio espaço celebrativo deve comunicar esta presença.

Determinante é a ordenação do espaço sagrado em função do trinómio: altar – ambão – sede. À volta destes três elementos congrega-se a assembleia: uma comunidade de escuta da Palavra de Deus, uma comunidade orante, e uma comunidade que vive dos sacramentos. A igreja é, pois, assim a casa da Igreja, isto é, morada da comunidade convocada.

A publicação de algumas fontes bíblicas, patrísticas, magisteriais, autores eclesiásticos e outros textos, resultado da reconhecida investigação do Padre Isidro Lamelas, oferece em língua portuguesa a literatura inestimável dos primordiais quatro séculos da história da Igreja para o estudo da arquitetura e das artes para a Liturgia.

X José Manuel Garcia Cordeiro

Bispo de Bragança-Miranda

Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade

 



[1]        Cf. At 2,46-47; Jo 4,23.

[2]        At 2,46.

[3]        At 2, 46.

[4]        Cf. Jo 2,20-21.

[5]        Jo 4,21-23.

[6]        1Cor 3,16.

[7]        Cf. Ef 2,20-22; cf. 1Pd 2,5.

[8]        Cf. Hb 9,11-14.

[9]        Cf. MISSAL ROMANO, Prefácio Pascal V.

 

[10]      O primeiro caso de uma dedicação é o que refere Eusébio de Cesareia na sua Historia Ecclesiastica referindo a Catedral de Tiro e a sua dedicação realizada pelo Bispo Paulino entre os anos 314 e 319. O único elemento desta dedicação é a Eucaristia (cf. pp. 152-165).

[11]      Cf. At 8,36-38.

[12]      Conhece-se o testemunho de Santo Ambrósio que fez erguer em Milão em 386 uma basílica, colocando nela os corpos Gervásio e Protásio (cf. pág. 187).

[13]      Cf. SC 7.

ELPC

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