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Tamanho: 150X210mm
Capa cartonada
N.º de páginas: 416
ISBN 978-989-9288-03-4
1.ª edição: novembro de 2025
Coleção: Fontes – 3
«Nos sermões publicados neste terceiro volume o Bispo de Hipona alimenta a sua pregação sobretudo de trechos das Cartas paulinas, das Cartas Pastorais e de alguns passos dos Actos dos Apóstolos. Porque na liturgia da Palavra, a par destas fontes neotestamentárias, eram lidas páginas dos Evangelhos, do Antigo Testamento, para além do Salmo que era cantado (Sermo 153,1; 154 A,4; 159 B, 3. 4; 176,1), o pregador raramente se restringe ao texto e temática bíblicos enunciados no começo de cada Sermão. » (Isidro Pereira Lamelas, in Introdução)
Nos sermões publicados neste terceiro volume o Bispo de Hipona alimenta a sua pregação sobretudo de trechos das Cartas paulinas, das Cartas Pastorais e de alguns passos dos Actos dos Apóstolos. Porque na liturgia da Palavra, a par destas fontes neotestamentárias, eram lidas páginas dos Evangelhos, do Antigo Testamento, para além do Salmo que era cantado (Sermo 153,1; 154 A,4; 159 B, 3. 4; 176,1), o pregador raramente se restringe ao texto e temática bíblicos enunciados no começo de cada Sermão.
Não existindo ainda um lecionário fixado, a escolha das leituras e respetivo comentário variavam entre a lectio contínua e a adoção de textos especialmente selecionados em função da festa ou solenidade celebradas[1]. Por isso, nalguns casos a leitura veterotestamentária podia ser dispensada (Sermo 165,1; 176). Por vezes o assunto e o contexto pediam uma leitura mais continuada das Cartas neotestamentárias, como é o caso dos Sermões 151-159, pregados em Cartago, no outono de 417. As palavras com que começa o Sermão 154, comprovam essa prática: «Vós, os que estivestes aqui presentes ontem, ouvistes a leitura tirada da Epístola do Apóstolo São Paulo. A leitura que hoje foi proclamada vem a seguir àquela» (1,1; cf. Sermo 155,1,1; 7,7).
Neste bloco de sermões pregados ao povo em contexto litúrgico, o Pastor de Hipona vai expondo a sua doutrina e teologia ao sabor das leituras de que parte sempre: “foi lida a leitura” (de Paulo, dos Actos, do Evangelho, etc.). Deixando-se orientar pelo texto bíblico, por norma o pregador conjuga o ensinamento das Cartas e do Salmo (cf. Sermo 160,1; 166,1; 159 B, 1. 2; 166,2; 171,1) com o Evangelho lido na celebração (Sermo 162 A,7; 174; 176; 159 B, 17).
Em toda este exercício homilético Agostinho continua a sua exegese prática, lendo e explicando a Bíblia pastoralmente e fazendo da Escritura o “espelho” em que se deve refletir e examinar a vida cristã (Sermo 154 A,2).
Tentando um apanhado simplificado dos textos mais comentados em cada Sermão, colhemos os seguintes dados relativamente às passagens bíblicas que servem de mote a este bloco homilético de 48 Sermões (148-183):
At 5, 4 (Sermo 148); At 10 Mt 5, 16-6, 4 (149); At 17, 17-34 (150); Rm 7, 15-25 (151); Rm 7, 15-8, 4 (152); Rm 7, 5-13 (153); Rm 7, 14-25 (154); Rm 7,15 ss. (154/A); Rm 8, 1-11 (155); Rm 8, 12-17 (156); Rm 8, 12-17 (157); Rm 8, 30-31 (158); Rm 8, 30-31; Tg 1, 2-4 (159); Rm 8, 31-39 etc. (159 A); Rm 11, 33 (159 B); 1 Cor 1, 31 (At 5, 4 (148); At 10 Mt 5, 16-6, 4 (149); At 17, 17-34 (150); Rm 7, 15-25 (151); Rm 7, 15-8, 4 (152); Rm 7, 5-13 (153); Rm 7,14-25 (154); Rm 7,15 ss. (154 A); Rm 8, 1-11 (155); Rm 8,12-17 (156 e 157); Rm 8,30-31 (158); Rm 8,30-31; Tg 1,2-4 (159); Rm 8,31-30 etc. (159 A); Rm 11,33 (159 B); 1 Cor 1,31 (160); 1 Cor 6, 9-19 (161); 1 Cor 6, 9-18 (162); 1 Cor 12, 31ss. (162 A); 2 Cor 5, 20 (162 B); Gl 2 (162 C); Gl 5, 16-17 (163); Gl 5, 16-17 (163 A); Gl 6, 1-10 (163 B); Gl 6, 2-5 (164); Gl 6, 9-10 (164 A); Ef 3, 9-10; Rom 9, 11 (165); Ef 4, 25 (166); Ef 5, 15-16 (167); Ef 6, 12 (167 A); Ef 6, 23 (168); Fl 3, 3-16 (169); Fl 3, 3-15; Jo 6, 39 (170); Fll 4, 4-6 (171); 1 Ts 4, 13 (172); 1 Ts 4, 13 (173); 1 Tm 1, 15; Lc 19, 1-10 (174); 1 Tm 1, 15-16 (175); Lc 17, 2-19 (176); 1 Tm 3, 2 (176 A); 1 Tm 6, 7-19 (177); Tt 1, 9 (178); Tg 1, 19-22 (179); Tg 2, 10 (179 A); Tg 5, 12 (180); 1 Jo 1, 8-9 (181); 1 Jo 4, 1-3 (182); 1 Jo 4, 2 (183).
Nesta panorâmica bíblica é clara a preponderância dos textos paulinos. Sabemos que S. Paulo foi, durante a vida do Santo de Tagaste, a grande fonte de inspiração[2]. Efetivamente os escritos de S. Paulo foram cruciais, primeiro no seu percurso espiritual, depois, na sua atividade pastoral e teológica, em que teve de responder às grandes questões que se colocavam à Igreja do seu tempo, algumas das quais resultavam de interpretações inadequadas do Apóstolo das Gentes. Sabemos que comentou, pelo menos por duas vezes e em formatos diferentes, a Carta aos Romanos (Epistolae ad Romanos inchoata expositio; Expositio quarumdam propositionum ex Epistola ad Romanos); e, pela mesma altura em que compôs esta última Expositio (394/395), comentou a Carta aos Gálatas (Expositio Epistolae ad Galatas)[3].
O Pastor de Hipona responde com a Escritura e especialmente com os textos paulinos, primeiro ao Maniqueísmo (Sermo 151; 152; 153; 183), depois, ao Donatismo (162 A; 164; 183) e ao Pelagianismo (Sermo 158; 159; 163 A,3; 165; 169). Por vezes, como no Sermão 153, são visados em simultâneo os Maniqueus e Pelagianos que, aparentemente, estavam em campos opostos; ou então, todos os negadores “da Incarnação” (Sermo 182; 183).
É sabido que os adeptos de Manes nutriam especial estima pelos escritos de S. Paulo (modelo da vocação e missão de Manes) que interpretam no sentido de justificar a sua doutrina dualista. À imagem de S. Paulo, também o fundador do Maniqueísmo se apresenta como “apóstolo de Jesus” (Gl 1,1), anunciador da Sua missão salvífica: «Manes, apóstolo de Jesus Cristo por providência de Deus Pai. Estas as palavras de salvação que provêm da fonte perene e viva»[4]. Citavam exaustivamente Paulo para justificar a sua rejeição da Lei e da economia veterotestamentária (Gl). Na Carta aos Romanos (9,11-21), os Maniqueus encontravam a justificação para negarem o livre arbítrio. O Bispo de Hipona responde no Comentário a algumas questões da Carta aos Romanos (52-54), mas também nos Sermões pregados ao povo. Contra os que contrapunham o Antigo ao Novo Testamento, Agostinho utiliza a Carta aos Gálatas para defender a unidade de toda a Escritura sagrada (Sermo 170,1).
Também Pelágio e seus adeptos não escondiam a predileção por Paulo. O fundador do pelagianismo comentou sistematicamente as 13 epístolas paulinas. Lendo-as de modo mais literal e “racionalista” do que Agostinho, Pelágio defende que a vitória do “segunda Adão” (Cristo) sobre o primeiro (Adão e Eva) pode e deve ser imitada por todos os batizados, ainda que o combate pela virtude prossiga, devido ao facto de continuarmos a ser espirituais e carnais[5].
Nestes Sermões o Pregador hiponense visa muitas vezes a heresia pelagiana (Sermo 153; 155; 158; 169; 174; 176; 183,8). Fá-lo recorrendo sempre à Escritura (scriptura per scriptura), mas também à tradição e práxis litúrgica da Igreja. Nalguns Sermões mais longos, o Bispo de Hipona, longe de fugir às questões mais árduas, presenteia-nos com verdadeiros tratados teológicos em que o pregador interpreta passos difíceis da Escritura, como Rm 7,5-25 (Sermões 151-154A) ou explica “questões difíceis” (Sermo 149; 152,1; 162,1; 169,5-6; 180,1; 183,1) como a doutrina da graça e do pecado original (Sermo 153; 170; 176).
Não obstante o contexto muitas vezes polémico (Sermo 183), a pregação de Agostinho continua fiel ao seu programa pastoral e doutrinal. Em S. Paulo, lido à luz da Escritura no seu todo, o Doutor da Graça encontra matéria para enfrentar as grandes questões da sua teologia: letra e espírito; obras da lei e obras da graça; natureza e graça, liberdade e ação divina; a fé e as obras; Lei e Evangelho; justiça divina, graça e vontade; pecado e justificação.
Mantém-se, por outro lado, também igual a si mesmo no exercício dedicado da sua pedagogia pastoral: colocando a arte retórica ao serviço da Verdade; concebendo e exercendo a pregação como um serviço “obrigatório” (Sermo 180,12)[6], dedicado e fiel à Palavra proclamada (95,1; 176,1; 240 A,9; 339,4); numa generosidade sem limites para com o seu auditório e comovente honestidade no exercício de um cargo que para ele foi sempre pesada “carga” (Sermo 179). Ainda assim, nada quer ficar a dever ao seu auditório (Sermo 149,1. 14; 183,1), com quem chega a alcançar momentos únicos de deleite partilhado:
«O deleite do coração humano com a luz da verdade e com a exuberância da sabedoria, o deleite do coração humano, do coração fiel, do coração santo, não tem nenhum prazer com o qual se possa comparar sob aspeto algum, a ponto de ao menos poder falar-se de um prazer menor […]. Que é que significa o facto de agora todos prestardes atenção, todos ouvirdes, todos vos entusiasmardes e, quando se diz alguma coisa certa, vos deleitardes? Que é que vistes? Que é que guardastes? Que cor apareceu diante dos vossos olhos? Que forma, que figura, que estatura, que traços dos membros, que beleza de corpo? Não é nada disto. E, todavia, amais. Na verdade, quando é que vós iríeis elogiar, se não amásseis? E quando é que iríeis amar, se não vísseis nada? Ora se eu não estou a mostrar uma forma corporal, traços, cor, movimentos belos, repito, mesmo não estando eu a mostrar isto, vós ainda assim vedes, amais e louvais. Se este encantamento com a verdade é agora doce, muito mais doce será naquela ocasião» (Sermo 179,6).
Ao apresentarmos aos leitores, depois de um inesperado interregno, este novo volume, não podemos deixar de lembrar a memória do Pe. José António Gonçalves (1965-2023). Sem ele este projeto da tradução e edição dos Sermões agostinianos não teria sido possível. Ficaremos sempre reconhecidos e gratos pelo zelo e amor com que dedicou tantas horas da sua vida a este trabalho. Também em sua memória, queremos continuar a levar por diante este projeto, e não deixamos de recordar as últimas palavras de S. Mónica, em resposta ao seu filho que, no porto de Óstia, piedosamente perguntara a sua mãe moribunda: «se não temia morrer e deixar o seu corpo tão longe da sua terra: Nada há longe para Deus, nem há que recear que Ele não reconheça, no fim do mundo, o lugar de onde me há de ressuscitar» (Confissões, IX,11,28).
Si haec delectatio veritatis dulcis est nunc, multo dulcior erit tunc
(Sermo 179,6)
[1] Cf. Introdução geral, vol. I, 53-54.
[2] De resto, Agostinho não é neste aspeto um caso singular. Paulo, que durante os séculos II-III andara bastante esquecido na teologia cristã, regressou em força no século IV. Cf. MARIA GRAZIA MARA, Agostino interprete di Paolo, Milano: Paoline, 1993, 14-25; ISIDRO P. LAMELAS, O outro Paulo ou o Paulo dos Outros. Recepção de Paulo nos primeiros três séculos do cristianismo, in Itinerarium 193 (2009) 137-177.
[3] Cf. MARIA GRAZIA MARA, Agostino interprete di Paolo, 26-27.
[4] AGOSTINHO, Contra epistolam Manichaei quam vocant fundamenti, 5,6.
[5] MARIA GRAZIA MARA, Agostino interprete di Paolo, 29.
[6] Cf. Sermo 9,3; 17,2; 40,5; 82,15; 313 E,7; 339,2. 4. 12; 46,7-8; 296,14.