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A Cura pela Reconciliação
Autor: D. Nuno Almeida
Tamanho:148X210mm
N.º de páginas: 184
ISBN 978-989-9081-79-6
Coleção: Hodie – 14
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É exigente a reconciliação que os tempos atuais reclamam, não esquecendo a sua dupla face: uma individual, perante vidas destroçadas que só um caminho espiritual pode recompor e outra social, que passa por processos de reconciliação e pelas diferentes estruturas da sociedade. Mesmo se cabe ao Estado um papel importante, ao oferecer uma amnistia ou ao castigar os agressores, este não pode garantir o perdão. Intuímos, desde já, a importância do ministério de reconciliação que foi confiado às igrejas.
Apresentação
Jesus Cristo confiou à Igreja o ministério da reconciliação que ressoa na comunidade eclesial pela explicitação paulina: «em nome de Cristo suplicamo-vos: reconcilia-vos com Deus» (2Cor 5, 20). A própria Igreja em Oração implora: «No meio da humanidade dilacerada por divisões e discórdias, reconhecemos os sinais da vossa misericórdia, quando dobrais a dureza dos homens e os preparais para a reconciliação. Com a força do Espírito Santo moveis os corações, para que os inimigos procurem entender-se, os adversários se deem as mãos e os povos se encontrem na paz e concórdia. Pelo poder da vossa graça, o desejo da paz põe fim à guerra, o amor vence o ódio e a vingança dá lugar ao perdão» (Oração eucarística da Reconciliação II).
Com alegria e gratidão, felicitamos D. Nuno Almeida, Bispo de Bragança-Miranda, pela publicação – “A Cura pela Reconciliação” – na coleção Hodie do Secretariado Nacional de Liturgia, um organismo da Conferência Episcopal Portuguesa.
O texto está articulado em cinco partes: Experiência religiosa e psicologia; Olhar Antropológico; O Perdão que Reconcilia; Reconciliação com os outros e com o mundo; O Ministério da Reconciliação e da Pacificação.
Este estudo situa-se “Na busca da reconciliação fontal, operante no coração e na consciência do homem, como restabelecimento de relação completa e total da pessoa consigo mesma, com Deus, com os outros e com o mundo” (pág. 144).
Por isso, como sublinha D. Nuno: “Procuramos aprofundar a dimensão sanante ou terapêutica da reconciliação, como repacificação, restabelecimento de relação completa e total da pessoa consigo mesma, com Deus, com os outros e com o mundo. Procuramos as vias e as dinâmicas implicadas no processo de cura profunda que envolve as principais relações do ser humano, pois a dimensão terapêutica da reconciliação toca a profundidade da alma humana e ilumina a perceção do mundo e da própria existência” (pág. 144).
Hoje, “falar do ministério da reconciliação, do perdão ou da pacificação é referir-se a uma tarefa bela, carregada de responsabilidade e de anseios de bem e de paz, com a qual nos encontramos sempre em dívida” (pág. 132).
A celebração da Penitência e da Reconciliação realizou-se e interpretou-se de muitos modos ao longo da história da Igreja. Este sacramento tem um percurso original e talvez o mais complicado de todos os sacramentos.
Desde logo, percebe-se a sua complexidade, a partir da terminologia utilizada. O magistério e a teologia usam o termo penitência; o comum dos fiéis diz apenas confissão; os liturgistas preferem chamar-lhe sacramento da reconciliação; a catequese atual emprega a expressão sacramento do perdão. Porém, não é apenas um problema de terminologia.
Nas origens cristãs, a palavra latina paenitentia traduz o termo grego metanoia que significa mudança de mentalidade, passagem, mudança de espírito, reflexão, arrependimento, qual conversão do coração. O termo “metanoia” aparece 56 vezes no Novo Testamento. A terminologia «sacramento da Penitência» é do segundo milénio. Os Padres latinos falavam de “reconciliatio”, “pax”, “communio ecclesiastica”, “impositio manuum in poenitentiam” ... Os Padres gregos falavam de “exhomologesis (confessio)”, “exagoresis (revelatio)”, “metanoia”.
Para os cristãos dos primeiros tempos, a penitência estava intimamente ligada ao Batismo. Eles estavam convencidos que a remissão dos pecados se conseguia com o Batismo. Por isso, chamavam à Penitência pós-batismal, “segundo Batismo” ou “uma segunda tábua de salvação depois do Batismo”.
Na verdade, “A reconciliação é fruto da Ressurreição. Num mundo tão violento, o que significa hoje ser povo da Ressurreição? Entender a Ressurreição como reconciliação ajuda-nos a darmos conta da profunda conexão que existe entre sofrimento e reconciliação. O sofrimento não se esquece, mas pode ser transformado ou transfigurado. Trata-se de recordá-lo de maneira diferente, para que enxertado na morte e ressurreição de Cristo possa converter-se em fonte de vida para outros” (pág. 133).
O Catecismo da Igreja Católica apresenta, em 65 parágrafos (1420-1484) e em mais 14 resumos (1485-1498), a doutrina sobre o sacramento da Penitência e da Reconciliação. Esta é uma boa elaboração teológica que se propõe abarcar todos os aspetos deste sacramento.
“A reconciliação, como dom de Deus em Jesus Cristo, na força do Espírito é um percurso único para conseguir a cura interior e a superação dos conflitos entre as pessoas e povos. Sarar não significa que Deus retire ou faça desaparecer todas as nossas feridas ou conflitos. Significa sim abrir as nossas chagas a Deus e n’Ele tornarmo-nos sãos e íntegros. As feridas fazem parte da nossa condição humana, não nos separam nem de Deus nem de nós próprios, nem dos outros. Ao contrário, abrem em nós uma brecha que nos faz descobrir verdadeiramente quem somos e a imagem originária e autêntica de Deus em nós. Quem se reconcilia consigo mesmo, com Deus, com os homens e com o mundo, reencontra-se como nova criatura. Em Cristo o homem encontra uma nova identidade, ou seja, uma capacidade de se ver com olhos novos a si próprio, os outros e o mundo” (pág. 149).
De facto, o sacramento da Penitência é um meio privilegiado, mas não o único, para a celebração da reconciliação e da conversão. É necessário e urgente reencontrar a raiz batismal da penitência, para renovar a experiência do mistério pascal de Cristo. Ao mesmo tempo, redescobrir a relação sacramental da Penitência com a Eucaristia e a Unção dos enfermos.
Além disso, urge aprofundar a dimensão eclesial do sacramento da reconciliação, bem como o mistério do pecado e o mistério do perdão. Precisa-se de uma pastoral que acentue a conversão do coração para que a vida cristã e a participação na Eucaristia sejam cada vez mais verdadeiras. Efetivamente, a maior novidade do rito da Penitência é a recuperação plena da categoria evangélica da metanoia, da conversão do coração, para que «a voz de Deus chame os homens à conversão e sempre a maior conformidade com Cristo» (Preliminares do Ritual da Celebração da Penitência 24a). O pecado é, com efeito, uma ofensa a Deus, que quebra a amizade com Ele, mas a penitência «tem como último objetivo fazer que amemos a Deus e a Ele inteiramente nos entreguemos» (preliminares do ritual da celebração da Penitência 5).
Há que continuar a percorrer com lucidez e coragem o caminho que conduz ao reencontro da unidade do coração. O ministério da reconciliação acontece no único e mesmo mistério Cristo. Ele deixou-nos em duas parábolas (o Pai misericordioso e os dois filhos – Lc 15,11-32; e a ovelha perdida ou o Pastor à procura – Lc 15,1-7) o sentido mais profundo da misericórdia do Pai. Este é o fio condutor da pastoral do sacramento da Penitência. A celebração da reconciliação sacramental tem de manifestar cada vez mais a conversão do coração.
X José Manuel Garcia Cordeiro
Arcebispo Metropolita de Braga
Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade